quarta-feira, 27 de março de 2024

Descoberto campos magnéticos em espiral no buraco negro da Via Láctea

Uma nova imagem da colaboração Event Horizon Telescope (EHT) revelou campos magnéticos fortes e organizados espiralando desde a borda do buraco negro supermassivo Sagitário A* (Sgr A*).

© EHT (imagem em luz polarizada de Sagitário A*)

Com observações feitas pela primeira vez em luz polarizada, a nova imagem do monstro que se esconde no coração da Via Láctea revelou um campo magnético com uma estrutura muito semelhante à do buraco negro situado no centro da galáxia M87, sugerindo que campos magnéticos intensos podem ser comuns a todos os buracos negros. Esta semelhança aponta também para a existência de um jato oculto em Sgr A*. 

Em 2022, os cientistas revelaram a primeira imagem de Sgr A* durante conferências de imprensa em todo o mundo, incluindo no Observatório Europeu do Sul (ESO). Embora o buraco negro supermassivo da Via Láctea, que se encontra a cerca de 27.000 anos-luz de distância da Terra, seja pelo menos mil vezes menor e menos massivo do que o de M87, o primeiro buraco negro a ser fotografado, as observações revelaram que os dois têm um aspecto bastante semelhante, o que levou os cientistas a perguntarem-se se estes buracos negros partilhariam características comuns para além da sua aparência.

Para o descobrir, a equipe decidiu estudar o Sgr A* em luz polarizada. Estudos anteriores da luz em torno do buraco negro de M87 (M87*) revelaram que os campos magnéticos à sua volta permitiam que o buraco negro lançasse poderosos jatos de material para o seu meio circundante. Com base neste trabalho, as novas imagens revelaram agora que o mesmo pode ser verdade para Sgr A*.

A luz é uma onda eletromagnética oscilante que nos permite ver objetos. Por vezes, a luz oscila numa orientação preferencial, a que chamamos “polarizada". Apesar de estarmos rodeados por luz polarizada, aos olhos humanos essa luz é indistinguível da luz dita "normal".

No plasma que rodeia estes buracos negros, as partículas que giram em torno das linhas de campo magnético conferem-lhe um padrão de polarização perpendicular ao campo, o que permite observar com muito detalhe o que se passa nas regiões dos buracos negros e mapear as suas linhas de campo magnético. Ao obtermos imagens em luz polarizada de gás quente incandescente perto de buracos negros, estamos inferindo diretamente a estrutura e intensidade dos campos magnéticos que acompanham o fluxo de gás e matéria que o buraco negro consome e ejeta. 

No entanto, obter imagens de buracos negros em luz polarizada não é tão fácil como usar um par de óculos de sol polarizados. Isto é particularmente verdadeiro no caso de Sgr A*, que apresenta variações tão rápidas que não consegue ficar parado para ser fotografado. Para captar imagens deste buraco negro supermassivo é necessário de ferramentas sofisticadas, melhores que as anteriormente utilizadas para captar M87*, um alvo muito mais estável. 

Uma das semelhanças entre estes dois buracos negros pode ser um jato, mas embora tenha sido captado um muito óbvio em M87*, ainda não foi encontrado nenhum em Sgr A*. Para observar Sgr A*, a colaboração juntou oito telescópios de todo o mundo num único telescópio virtual da dimensão da Terra, o EHT. O Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), e o Atacama Pathfinder Experiment (APEX), ambos no norte do Chile, fizeram parte da rede que efetuou as observações em 2017.

O EHT realizou várias observações desde 2017 e estão programadas observações de Sgr A* novamente em Abril de 2024. Todos os anos as imagens melhoram, já que o EHT vai incorporando novos telescópios, maior largura de banda e novas frequências de observação. As expansões planejadas para a próxima década permitirão a realização de filmes de alta resolução de Sgr A*, poderão revelar um jato oculto e permitirão aos astrônomos observar características de polarização semelhantes em outros buracos negros. Entretanto, a extensão do EHT ao espaço permitirá obter imagens de buracos negros mais nítidas do que nunca.

Este trabalho de pesquisa foi apresentado pela colaboração EHT em dois artigos científicos publicados hoje no periódico The Astrophysical Journal Letters

Fonte: ESO

Supergigantes azuis podem ser formadas pela fusão de duas estrelas

Uma pesquisa internacional, liderada pelo IAC (Instituto de Astrofísica de Canarias), encontrou pistas sobre a natureza de algumas das estrelas mais quentes e brilhantes do nosso Universo, chamadas supergigantes azuis.

© NASA / C. Reed (ilustração de estrela gigante vermelha e companheira mais jovem)

Embora estas estrelas sejam observadas com frequência, a sua origem é um velho enigma que é debatido há décadas. Através da simulação de novos modelos estelares e da análise de uma grande amostra de dados da Grande Nuvem de Magalhães, os pesquisadores do IAC encontraram fortes indícios de que a maioria das supergigantes azuis pode ter sido formado a partir da fusão de duas estrelas num sistema binário. 

As supergigantes azuis de classe B são estrelas muito luminosas e quentes (pelo menos 10.000 vezes mais luminosas e 2 a 5 vezes mais quentes do que o Sol), com massas entre 16 e 40 vezes a massa do Sol. Espera-se que ocorram durante uma fase muito rápida da evolução, de acordo com a tradição estelar convencional e, portanto, deveriam ser raramente vistas. Então, porque é que observamos tantas? 

Uma pista importante para a sua origem reside no fato de que a maioria das supergigantes azuis são observadas como "solteiras", ou seja, não têm companheiras gravitacionais detectáveis. No entanto, observa-se que a maioria das estrelas massivas jovens nascem em sistemas binários. Porque é que as supergigantes azuis são solteiras? 

Os sistemas binários massivos fundem-se e produzem supergigantes azuis. Num estudo pioneiro liderado por Athira Menon, pesquisadora do IAC, uma equipe internacional de astrofísicos computacionais e observacionais simulou modelos detalhados de fusões estelares e analisou uma amostra de 59 supergigantes azuis de classe B na Grande Nuvem de Magalhães, uma galáxia satélite da Via Láctea.

Foi simulado as fusões de estrelas gigantes evoluídas com as suas companheiras estelares menores numa vasta gama de parâmetros, tendo em conta a interação e a mistura das duas estrelas durante a fusão. As estrelas recém-nascidas vivem como supergigantes azuis durante a segunda fase mais longa da vida de uma estrela, quando esta queima hélio no seu núcleo. 

Os resultados obtidos explicam por que razão as supergigantes azuis se encontram na chamada lacuna evolutiva da física estelar clássica, uma fase da sua evolução em que não esperaríamos encontrar estrelas. Mas será que essas fusões podem também explicar as propriedades medidas das supergigantes azuis? 

Notavelmente, descobrimos que as estrelas nascidas de tais fusões têm maior sucesso na reprodução da composição da superfície, particularmente o aumento do nitrogênio e do hélio, de uma grande fração da amostra do que os modelos estelares convencionais. Isto indica que as fusões podem ser o canal dominante para produzir supergigantes azuis. 

Este estudo dá um grande passo no sentido de resolver um velho problema de como as supergigantes azuis se formam e indica a importante função das fusões estelares na morfologia das galáxias e das suas populações estelares. A próxima parte do estudo tentará explorar a forma como estas supergigantes azuis explodem e contribuem para a "paisagem" de buracos negros e estrelas de nêutrons.

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal Letters.

Fonte: Instituto de Astrofísica de Canarias

Uma em cada dúzia de estrelas apresenta indícios de ingestão planetária

Astrônomos estudaram estrelas gêmeas que deveriam ter uma composição idêntica.

© OPENVERSE (planeta terrestre dilacerado por estrela num sistema binário)

Mas, em cerca de oito por cento dos casos, diferem, deixando os astrônomos perplexos. A equipe, liderada por pesquisadores do ASTRO 3D (ARC Centre of Excellence for All Sky Astrophysics in 3 Dimensions), descobriu que a diferença se deve ao fato de uma das estrelas gêmeas ter devorado planetas ou material planetário. 

As descobertas foram possíveis graças a um vasto conjunto de dados recolhidos com o telescópio Magellan de 6,5 metros e com o VLT (Very Large Telescope) do ESO, ambos no Chile, e com o telescópio Keck de 10 metros no Havaí, EUA. 

Foram observadas estrelas gêmeas que viajam juntas. Nascem das mesmas nuvens moleculares e, por isso, deveriam ser idênticas. Graças a esta análise altamente precisa, podemos ver diferenças químicas entre as gêmeas. Isto fornece evidências muito fortes de que uma das estrelas engoliu planetas ou material planetário e alterou a sua composição. 

O fenômeno apareceu em cerca de oito por cento dos 91 pares de estrelas gêmeas analisadas. O que torna este estudo convincente é o motivo de as estrelas estarem no auge da sua vida, as chamadas estrelas de sequência principal, em vez de estrelas nas suas fases finais, como as gigantes vermelhas.

Este estudo é diferente dos anteriores em que as estrelas na sua fase final podem engolir planetas próximos quando se tornam gigantes. Há algum espaço para dúvidas no que se refere ao saber se as estrelas estão engolindo planetas inteiros ou material protoplanetário, mas os pesquisadores suspeitam que ambas as hipóteses são possíveis. A ingestão do planeta inteiro é o cenário preferido, mas é claro que também não se pode excluir que estas estrelas tenham ingerido muito material de um disco protoplanetário. 

As descobertas têm implicações importantes para o estudo da evolução a longo prazo dos sistemas planetários. Os astrônomos costumavam pensar que este tipo de eventos não era possível. Mas com base nas observações deste estudo, note-se que, embora a ocorrência não seja elevada, é efetivamente possível. Isto abre uma nova janela de estudo para os teóricos da evolução planetária. 

O estudo faz parte de uma colaboração mais vasta, a iniciativa C3PO (Complete Census of Co-moving Pairs of Objects) para observar espectroscopicamente uma amostra completa de todas as estrelas brilhantes em movimento conjunto identificadas pelo satélite Gaia. 

As descobertas aqui apresentadas contribuem para o panorama geral de um tema de investigação chave do ASTRO 3D: a evolução química do Universo. Especificamente, esclarecem sobre a distribuição dos elementos químicos e a sua subsequente viagem, que inclui o seu consumo pelas estrelas.

Um artigo foi publicado na revista Nature.

Fonte: ASTRO 3D

terça-feira, 19 de março de 2024

Um novo modelo refuta a matéria escura

O modelo teórico atual para a composição do Universo diz que este é feito de matéria normal, energia escura e matéria escura.

© NightCafeStudio (galáxias e planetas no Universo primitivo)

Um novo estudo da Universidade de Ottawa põe em causa este modelo. Em cosmologia, o termo "matéria escura" descreve tudo o que parece não interagir com a luz ou com o campo eletromagnético, ou que só pode ser explicado através da força gravitacional. Não a podemos ver, nem sabemos de que é feita, mas ajuda-nos a compreender como as galáxias, os planetas e as estrelas se comportam. 

Rajendra Gupta, professor de física na Faculdade de Ciências da Universidade de Ottawa, utilizou uma combinação das teorias das constantes de acoplamento covariantes e da "luz cansada" (o chamado modelo CCC+TL) para chegar a esta conclusão. Este modelo combina duas ideias: sobre a forma como as forças da natureza diminuem ao longo do tempo cósmico e sobre o fato de a luz perder energia quando viaja uma longa distância. 

Foi testado e demonstrou estar de acordo com várias observações, nomeadamente sobre a forma como as galáxias estão espalhadas e como a luz do Universo primitivo evoluiu. Esta descoberta teórica desafia a compreensão dominante do Universo, que sugere que cerca de 27% do mesmo é composto por matéria escura e menos de 5% por matéria comum, sendo o restante energia escura. 

"As descobertas deste estudo confirmam que o nosso trabalho anterior (um artigo científico denominado "JWST early Universe observations and ΛCDM cosmology") sobre a idade do Universo ser de 26,7 bilhões de anos permitiu-nos descobrir que o Universo não precisa de matéria escura para existir", explica Gupta. 

"Na cosmologia padrão, diz-se que a expansão acelerada do Universo é causada pela energia escura, mas na realidade deve-se ao enfraquecimento das forças da natureza à medida que se expande, e não à energia escura", indaga Gupta. 

 Os desvios para o vermelho referem-se a quando a luz é desviada para a parte vermelha do espetro. O pesquisador analisou dados recentes acerca da distribuição de galáxias a baixos desvios para o vermelho e do tamanho angular do "horizonte sonoro" na literatura com altos desvios para o vermelho. "Há vários trabalhos que questionam a existência da matéria escura, mas o meu é o primeiro, que eu saiba, que elimina a sua existência cosmológica ao mesmo tempo que é consistente com as observações cosmológicas fundamentais que tivemos tempo de confirmar", diz Gupta. 

Ao pôr em causa a necessidade de matéria escura no Universo e ao fornecer evidências para um novo modelo cosmológico, este estudo abre novas vias para a exploração das propriedades fundamentais do Universo.

Um artigo científico foi publicado no periódico The Astrophysical Journal

Fonte: University of Ottawa

Explosão de formação estelar após colisão de galáxia

Esta galáxia está saltando através de um anel gigante de estrelas?

© Hubble (NGC 7714 & NGC 7715)

Provavelmente não. Embora a dinâmica precisa por trás da imagem apresentada ainda não seja clara, o que nota-se na galáxia retratada, NGC 7714, é que ela foi esticada e distorcida por uma colisão recente com uma galáxia vizinha.

Acredita-se que esta vizinha menor, NGC 7715, situada à esquerda da imagem, tenha carregado diretamente através de NGC 7714.  A interação destas duas galáxias constitui o objeto Arp 284 do catálogo peculiar de galáxias. As observações indicam que o anel dourado fotografado é composto por milhões de estrelas mais antigas, semelhantes ao Sol, que provavelmente estão em movimento com as estrelas interiores mais azuis. 

Em contraste, o centro brilhante da NGC 7714 parece estar passando por uma explosão de formação de novas estrelas. A imagem apresentada foi captada pelo telescópio espacial Hubble. 

A galáxia NGC 7714 está localizada a cerca de 130 milhões de anos-luz de distância, em direção à constelação dos Dois Peixes (Peixes). As interações entre estas galáxias provavelmente começaram há cerca de 150 milhões de anos e deverão continuar por mais centenas de milhões de anos, após o que poderá resultar uma única galáxia central. 

Fonte: NASA

sexta-feira, 15 de março de 2024

Explicando o "colar de pérolas" de uma supernova

Os físicos recorrem frequentemente à instabilidade de Rayleigh-Taylor para explicar a formação de estruturas fluidas nos plasmas, mas essa pode não ser a história completa no que se refere ao anel de aglomerados de hidrogênio em torno da supernova SN 1987A.

© Webb (SN 1987A)

Num estudo, efetuado na Universidade de Michigan, pesquisadores argumentam que a instabilidade de Crow explica melhor o "colar de pérolas" que rodeia o remanescente estelar, lançando luz sobre um mistério astrofísico de longa data. 

A parte fascinante disto é que o mesmo mecanismo que desfaz os rastos dos aviões pode estar aqui em jogo. Nos rastos de condensação dos aviões, a instabilidade Crow cria rupturas na linha suave das nuvens devido ao fluxo de ar em espiral que sai da extremidade de cada asa, conhecido como vórtices de ponta de asa. Estes vórtices fluem uns para os outros, criando lacunas, algo que podemos ver devido ao vapor de água nos gases de escape. E a instabilidade de Crow pode fazer algo que a instabilidade de Rayleigh-Taylor não conseguiu: prever o número de aglomerados observados em torno do remanescente.

A supernova SN 1987A está entre as mais famosas explosões estelares porque fica relativamente perto da Terra, a 163.000 anos-luz de distância, e a sua luz chegou à Terra num momento em que existiam observatórios sofisticados para testemunhar a sua evolução. É a primeira supernova visível a olho nu desde a supernova de Kepler do ano de 1604, o que faz dela um acontecimento astrofísico incrivelmente raro que desempenhou um papel importante na compreensão da evolução estelar. 

Embora ainda se desconheça muito sobre a estrela que explodiu, pensa-se que o anel de gás que a rodeava antes da explosão provém da fusão de duas estrelas. Essas estrelas "derramaram" hidrogênio no espaço ao seu redor quando se tornaram gigantes azuis dezenas de milhares de anos antes da supernova. Essa nuvem de gás em forma de anel foi então fustigada pelo fluxo de partículas carregadas altamente velozes que se desprendiam da gigante azul, conhecido como vento estelar. 

Pensa-se que os aglomerados se formaram antes da explosão da estrela. Os pesquisadores simularam a forma como o vento empurrava a nuvem para fora, ao mesmo tempo que arrastava a superfície, com a parte superior e inferior da nuvem a serem empurradas para fora mais rapidamente do que o centro. Isto fez com que a nuvem se enrolasse sobre si própria, o que desencadeou a instabilidade de Crow e fez com que se separasse em aglomerados bastante uniformes que se tornaram no colar de pérolas. A previsão de 32 está muito próxima dos 30 a 40 aglomerados observados em torno do remanescente da SN 1987A.

A equipe viu indícios de que a instabilidade Crow poderia prever a formação de mais anéis de contas em torno da estrela, mais afastados do anel que aparece mais brilhante nas imagens telescópicas. Ficaram satisfeitos por ver que mais aglomerados parecem surgir na imagem do instrumento NIRCam (Near Infrared Camera) do telescópio espacial James Webb, publicada em agosto do ano passado. Foi sugerido também que a instabilidade de Crow pode estar em jogo quando a poeira em volta de uma estrela se transforma em planetas, embora seja necessária mais análise para explorar esta possibilidade.

Um artigo foi publicado no periódico Physical Review Letters.

Fonte: University of Michigan

Telescópios confirmam o ritmo de expansão do Universo

O ritmo a que o Universo está se expandindo, caracterizada pela constante de Hubble, é um dos parâmetros fundamentais para compreender a evolução e o destino final do cosmos.

© Hubble / Webb (NGC 5468)

Esta imagem da NGC 5468, uma galáxia situada a cerca de 130 milhões de anos-luz da Terra, combina dados dos telescópios espaciais Hubble e James Webb. Esta é a galáxia mais distante em que o Hubble identificou estrelas variáveis Cefeidas.

Atualmente, observa-se uma diferença persistente, designada por Tensão de Hubble, entre o valor da constante medido com uma vasta gama de indicadores de distância independentes e o seu valor previsto a partir do brilho remanescente do Big Bang. 

O telescópio espacial James Webb confirmou que o olhar perspicaz do telescópio espacial Hubble estava certo desde o início, eliminando qualquer dúvida remanescente sobre as medições do Hubble. 

Uma das justificativas científicas para a construção do Hubble foi a utilização do seu poder de observação para fornecer um valor exato para o ritmo de expansão do Universo. Antes do lançamento do Hubble, em 1990, as observações efetuadas por telescópios terrestres apresentavam incertezas enormes. Dependendo dos valores deduzidos para o ritmo de expansão, o Universo poderia ter entre 10 e 20 bilhões de anos. Nos últimos 34 anos, o Hubble reduziu esta medição para uma precisão inferior a um por cento, uma idade de 13,8 bilhões de anos. Isto foi conseguido através do refinamento da chamada "escada de distâncias cósmicas", medindo importantes pontos de referência conhecidos como estrelas variáveis Cefeidas. 

No entanto, o valor do Hubble não está de acordo com outras medições que mostram que o Universo estava se expandindo mais rapidamente após o Big Bang. Estas observações foram feitas pelo satélite Planck da ESA, que mapeou a radiação cósmica de fundo em micro-ondas, sendo um plano de como o Universo evoluiria em termos de estrutura depois do arrefecimento pós-Big Bang. Com o Webb, permitiu aos astrônomos verificar os resultados do Hubble. As imagens infravermelhas das Cefeidas, pelo Webb, concordaram com os dados ópticos do Hubble. 

O resultado final é que a chamada Tensão de Hubble, entre o que acontece no Universo próximo e a expansão do Universo primitivo, continua sendo um enigma para os cosmólogos. Poderá haver algo entrelaçado no tecido do espaço que ainda não compreendemos. Será que para resolver esta discrepância é necessária uma nova física? Ou será o resultado de erros de medição entre os dois diferentes métodos utilizados para determinar o ritmo de expansão do espaço? 

O Hubble e o Webb juntaram-se agora para produzir medições definitivas, reforçando a ideia de que algo mais, e não erros de medição, está influenciando o ritmo de expansão. Como verificação cruzada, uma primeira observação do Webb em 2023 confirmou que as medições do Hubble acerca da expansão do Universo eram exatas. No entanto, na esperança de aliviar a Tensão de Hubble, alguns cientistas especularam que erros invisíveis nas medições podem aumentar e tornar-se visíveis à medida que olhamos mais profundamente para o Universo.

Em particular, a aglomeração estelar poderia afetar de forma sistemática as medições do brilho de estrelas mais distantes. A equipe do levantamento SH0ES (Supernova H0 for the Equation of State of Dark Energy), liderada por Adam Riess, físico da Universidade Johns Hopkins em Baltimore, EUA, obteve observações adicionais com o Webb de objetos que são marcos cósmicos críticos, conhecidos como estrelas variáveis Cefeidas, que podem agora ser correlacionados com os dados do Hubble. 

Os astrônomos utilizam vários métodos para medir as distâncias relativas no Universo, dependendo do objeto que está sendo observado. Coletivamente, estas técnicas são conhecidas como a escada de distâncias cósmicas; cada degrau ou técnica de medição depende do degrau anterior para ser calibrado. Mas alguns astrônomos sugeriram que, avançando ao longo do "segundo degrau", a escada de distâncias cósmicas poderia ficar instável se as medições das Cefeidas se tornassem menos precisas com a distância. Tais imprecisões podem ocorrer porque a luz de uma Cefeida se pode misturar com a de uma estrela adjacente, um efeito que se pode tornar mais pronunciado com a distância, à medida que as estrelas se aglomeram no céu e se tornam mais difíceis de distinguir umas das outras.

O desafio observacional é o fato das imagens anteriores do Hubble, destas variáveis Cefeidas mais distantes, parecerem mais amontoadas e sobrepostas com estrelas vizinhas a distâncias cada vez maiores entre nós e as suas galáxias hospedeiras, exigindo uma contabilização cuidadosa deste efeito. A existência de poeira interveniente complica ainda mais a certeza das medições no visível. O Webb atravessa a poeira e isola naturalmente as Cefeidas das estrelas vizinhas porque a sua visão é mais nítida do que a do Hubble nos comprimentos de onda infravermelhos.

As novas observações do Webb incluem cinco galáxias hospedeiras de oito supernovas do Tipo Ia, contendo um total de 1.000 Cefeidas, e vão até à galáxia mais distante onde as Cefeidas foram bem medidas, a NGC 5468, a uma distância de 130 milhões de anos-luz.

Em conjunto, a confirmação da Tensão de Hubble pelo Hubble e pelo Webb permite que outros observatórios resolvam o mistério, incluindo o futuro telescópio espacial Nancy Grace Roman da NASA e a missão Euclid recentemente lançada pela ESA. Atualmente, é como se a escada de distâncias observada pelo Hubble e pelo Webb tivesse fixado firmemente um ponto de ancoragem numa das margens de um rio, e o brilho remanescente do Big Bang observado pelo Planck no início do Universo estivesse fixado firmemente na outra margem. A forma como a expansão do Universo se alterou nos bilhões de anos entre estes dois pontos ainda não foi diretamente observada. 

"Precisamos de descobrir se nos está escapando alguma coisa sobre como ligar o início do Universo aos dias de hoje", disse Riess. 

Estas descobertas foram publicadas no periódico The Astrophysical Journal Letters

Fonte: ESA

A maior galáxia conhecida no início do Universo

Os astrônomos estão atualmente desfrutando de um período frutífero de descobertas, investigando os muitos mistérios do Universo primitivo.

© Webb (galáxia Gz9p3)

A imagem à esquerda mostra um núcleo duplo na região central e a imagem à direita evidencia os contornos do perfil de luz que revelam uma estrutura alongada produzida pela fusão de duas galáxias. 

O lançamento bem-sucedido do telescópio espacial James Webb alargou os limites do que podemos ver. As observações estão agora entrando nos primeiros 500 milhões de anos após o Big Bang, quando o Universo tinha menos de cinco por cento da sua idade atual.

No entanto, as galáxias que estão sendo observadas não são certamente infantis, com novas observações que revelam galáxias mais massivas e maduras do que o anteriormente esperado para tempos tão precoces, ajudando a reescrever a compreensão da formação e evolução galáctica. 

Pesquisadores, da qual fazem parte astrônomos da Universidade de Melbourne, fez recentemente observações detalhadas e sem precedentes de uma das mais antigas galáxias conhecidas, designada Gz9p3. O seu nome deriva da colaboração GLASS e do fato de a galáxia se encontrar a um desvio para o vermelho de z=9,3, sendo o desvio para o vermelho uma forma de descrever a distância a um objeto. 

Há apenas alguns anos, a Gz9p3 aparecia como um único ponto de luz através do telescópio espacial Hubble. Mas, utilizando o telescópio espacial James Webb (JWST), podemos observar este objeto tal como era 510 milhões de anos após o Big Bang, há cerca de 13 bilhões de anos.

Os astrônomos descobriram que Gz9p3 era muito mais massiva e madura do que o esperado para um Universo tão jovem, contendo já vários bilhões de estrelas. De longe o objeto mais massivo confirmado desta época, calculou-se que é 10 vezes mais massiva do que qualquer outra galáxia encontrada tão cedo no Universo. Combinados, estes resultados sugerem que, para a galáxia atingir esta dimensão, as estrelas devem ter-se desenvolvido muito mais depressa e eficazmente do que se pensava. Não só é Gz9p3 massiva, como a sua forma complexa a identifica imediatamente como uma das mais antigas fusões de galáxias alguma vez observadas. 

A imagem da galáxia obtida pelo JWST mostra uma morfologia tipicamente associada a duas galáxias em interação. E a fusão também não terminou porque ainda vemos dois componentes. Quando dois objetos massivos se juntam desta forma, atiram fora alguma da sua matéria no processo. Assim, esta matéria descartada sugere que o que observaram é uma das fusões mais distantes jamais vistas. 

O seu estudo observou mais profundamente, para descrever a população de estrelas que compõe as galáxias em fusão. Usando o JWST, foi possível examinar o espetro da galáxia, dividindo a luz da mesma forma que um prisma divide a luz branca num arco-íris. Quando se utiliza apenas imagens, a maioria dos estudos destes objetos muito distantes mostra apenas estrelas muito jovens, porque as estrelas mais jovens são mais brilhantes e, por isso, a sua luz domina os dados de imagem. Por exemplo, uma população jovem e brilhante, que surgiu da fusão de galáxias com menos de alguns milhões de anos, ofusca uma população mais velha, com mais de 100 milhões de anos. 

Utilizando a técnica de espetroscopia, os cientistas podem produzir observações tão pormenorizadas que as duas populações podem ser distinguidas. Não se previa uma população tão madura, tendo em conta o quão cedo as estrelas se teriam formado para terem envelhecido o suficiente neste momento cósmico. A espetroscopia é tão detalhada que podemos ver as características sutis das estrelas antigas que mostram que há mais do que se pensa. 

Elementos específicos detectados no espetro (incluindo silício, carbono e ferro) revelam que esta população mais velha deve existir para enriquecer a galáxia com uma abundância de elementos químicos. Não é apenas o tamanho das galáxias que é surpreendente, mas também a velocidade com que cresceram até um estado quimicamente maduro. Estas observações fornecem evidências de uma acumulação rápida e eficiente de estrelas e metais no período imediatamente a seguir ao Big Bang, associada a fusões de galáxias em curso, demonstrando que galáxias massivas com vários bilhões de estrelas existiram mais cedo do que o esperado. 

As galáxias isoladas constroem a sua população estelar localizada a partir dos seus reservatórios finitos de gás. No entanto, esta pode ser uma forma lenta das galáxias crescerem. As interações entre galáxias podem atrair novos fluxos de gás puro, fornecendo combustível para a rápida formação estelar, e as fusões proporcionam um canal ainda mais acelerado para a acumulação e crescimento de massa. As maiores galáxias do nosso Universo moderno têm todas um aspecto de fusões, incluindo a nossa Via Láctea, que atingiu o seu tamanho atual através de sucessivas fusões com galáxias menores. 

Estas observações de Gz9p3 mostram que as galáxias foram capazes de acumular massa rapidamente no Universo primitivo através de fusões, com taxas de formação estelar superiores às esperadas. As observações de Gz9p3 pelo JWST, e também de outras galáxias, estão levando os astrofísicos a ajustar os seus modelos dos primeiros anos do Universo. A sua cosmologia não está necessariamente errada, mas a compreensão da rapidez com que as galáxias se formaram provavelmente está, porque são mais massivas do que alguma vez pensaram ser possível. 

Estes novos resultados chegam num momento oportuno, quando nos aproximamos da marca dos dois anos de observações científicas efetuadas com o JWST. À medida que o número total de galáxias observadas aumenta, os astrônomos que estudam o Universo primitivo estão fazendo a transição da fase de descoberta para um período em que dispõem de amostras suficientemente grandes para começar a construir e a aperfeiçoar novos modelos. Nunca houve uma época tão excitante para dar sentido aos mistérios do Universo primitivo.

Um artigo foi publicado na revista Nature Astronomy

Fonte: University of Melbourne

Glóbulo Cometário escuro e majestoso

Os astrônomos dão muitas vezes nomes a objetos celestes que podem confundir o público e o glóbulo cometário GN 16.43.7.01 que vemos nesta fotografia não é exceção.

© ESO (glóbulo cometário GN 16.43.7.01)

Os glóbulos cometários não têm nada a ver com cometas, para além da aparência: o seu nome deve-se à cabeça poeirenta e à cauda alongada e escura que apresentam, como podemos ver nesta imagem obtida com o VLT Survey Telescope (VST), instalado no Observatório do Paranal do ESO, no Chile. 

Este glóbulo cometário, denominado Torre Negra, situa-se a cerca de 5.000 anos-luz de distância da Terra, na constelação austral do Escorpião. Este objeto contém aglomerados densos de gás e poeira que estão colapsando e que darão origem a estrelas. 

A forma curiosa deste objeto foi esculpida por radiação muito intensa emitida por um aglomerado de estrelas jovens e brilhantes situado fora do campo, na direção do canto superior esquerdo. Esta radiação varreu e delineou o glóbulo cometário com o caraterístico brilho rosa da matéria quente e excitada.

Fonte: ESO

sexta-feira, 8 de março de 2024

Revelado segredos sobre o nascimento de planetas em torno de estrelas

Numa série de estudos, astrônomos elucidou o processo complexo da formação planetária.

© ESO (disco de formação planetária MWC 758)

Estas imagens extraordinárias, captadas pelo Very Large Telescope (VLT) do Observatório Europeu do Sul (ESO), no Chile, representam um dos maiores rastreios de discos de formação planetária. 

O trabalho de pesquisa reúne observações de mais de 80 estrelas jovens que podem ter planetas se formando em seu redor, fornecendo uma enorme quantidade de dados e conhecimentos únicos sobre a forma como os planetas surgem em diferentes regiões da nossa Galáxia. 

Até à data, foram descobertos mais de 5.000 planetas em órbita de outras estrelas para além do Sol, muitas vezes em sistemas muito diferentes do nosso Sistema Solar. Para compreender onde e como surge esta diversidade, os astrônomos têm de observar os discos ricos em poeira e gás que envolvem as estrelas jovens, os berços da formação planetária.

Estes discos encontram-se mais facilmente nas enormes nuvens de gás onde as próprias estrelas estão se formando. Tal como os sistemas planetários já desenvolvidos, as novas imagens mostram a extraordinária diversidade dos discos de formação de planetas.

© ESO (discos de formação planetária em três nuvens da Via Láctea)

Estas imagens extraordinárias, captadas pelo Very Large Telescope (VLT) do Observatório Europeu do Sul (ESO), no Chile, representam um dos maiores rastreios de discos de formação planetária.

A equipe estudou um total de 86 estrelas em três regiões diferentes de formação estelar da Via Láctea: Touro e Camaleão I, ambas a cerca de 600 anos-luz de distância da Terra, e Órion, uma nuvem rica em gás a cerca de 1.600 anos-luz de nós, que é conhecida por ser o local de nascimento de várias estrelas mais massivas do que o Sol.

A equipe conseguiu retirar várias conclusões importantes do conjunto de dados obtido. Por exemplo, em Órion descobriu-se que as estrelas agrupadas em duas ou mais tinham menos probabilidade de possuir grandes discos de formação planetária. Este é um resultado significativo, dado que, ao contrário do nosso Sol, a maioria das estrelas da nossa Galáxia têm companheiras. O aspecto irregular dos discos nesta região sugere a possibilidade de existirem planetas massivos no seu interior, o que poderá dar origem à deformação e desalinhamento que são observados nestes discos. Embora os discos de formação planetária se possam estender por distâncias centenas de vezes superiores à distância entre a Terra e o Sol, a sua localização a várias centenas de anos-luz de nós faz com que nos pareçam pequenos pontinhos no céu noturno. 

Para observar os discos, a equipe utilizou o instrumento SPHERE (Spectro-Polarimetric High-contrast Exoplanet REsearch) instalado no VLT do ESO. O sistema de óptica adaptativa de última geração do SPHERE corrige os efeitos de turbulência da atmosfera terrestre, fornecendo imagens muito nítidas dos discos. Deste modo, foi possível obter imagens de discos em torno de estrelas com massas tão baixas como metade da massa do Sol, que são normalmente demasiado tênues para a maioria dos outros instrumentos atualmente disponíveis. Foram ainda obtidos dados adicionais para este estudo com o instrumento X-shooter do VLT, o que permitiu aos astrônomos determinar a idade e a massa das estrelas.

Por sua vez, o Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), ajudou a compreender melhor a quantidade de poeira que envolve algumas das estrelas. À medida que a tecnologia avança, a equipe espera observar ainda mais profundamente o centro dos sistemas de formação planetária. O enorme espelho de 39 metros do futuro Extremely Large Telescope (ELT) do ESO, por exemplo, permitirá estudar as regiões mais interiores em torno de estrelas jovens, onde poderão estar se formando planetas rochosos como o nosso. 

Por enquanto, estas imagens revolucionárias fornecem aos pesquisadores uma enorme quantidade de dados que ajudarão a desvendar os mistérios da formação planetária.

Este trabalho de pesquisa foi apresentado em três artigos científicos publicados no periódico Astronomy & Astrophysics

Fonte: ESO

Encontrado o par de buracos negros mais massivo no Universo

Utilizando dados de arquivo do telescópio Gemini Norte, uma equipe de astrônomos mediu o par de buracos negros supermassivos mais pesado alguma vez encontrado.

© NOIRLab (ilustração da fusão de dois buracos negros)

A fusão de dois buracos negros supermassivos é um fenômeno há muito previsto, mas nunca observado. Este par massivo dá pistas sobre a razão pela qual um tal acontecimento parece tão improvável no Universo. 

Quase todas as galáxias massivas abrigam um buraco negro supermassivo no seu centro. Quando duas galáxias se fundem, os seus buracos negros podem formar um par binário, o que significa que se orbitam um ao outro. Teoriza-se que estes binários estão destinados a fundir-se, mas tal nunca foi observado. A questão de saber se tal acontecimento é possível tem sido um tópico de discussão entre os astrônomos durante décadas. 

Astrônomos apresentaram uma nova perspectiva sobre esta questão. Eles utilizaram dados do telescópio Gemini Norte no Havaí, uma metade do Observatório Gemini operado pelo NOIRLab (National Optical-Infrared Astronomy Research Laboratory), para analisar um buraco negro binário supermassivo localizado na galáxia elíptica B2 0402+379.

Este é o único buraco negro binário supermassivo alguma vez resolvido com detalhe suficiente para ver ambos os objetos separadamente (já foram feitas observações anteriores de galáxias contendo dois buracos negros supermassivos, mas nesses casos estão separados por milhares de anos-luz, demasiado longe para se orbitarem um ao outro) e detém o recorde de ter a menor separação alguma vez medida diretamente, apenas 24 anos-luz (existem outras fontes idênticas com, possivelmente, separações menores, mas foram apenas inferidas usando observações indiretas e portanto só podem ser classificados como candidatos a binário). 

Embora esta separação próxima prenuncie uma fusão poderosa, outros estudos revelaram que o par está "parado" a esta distância há mais de três bilhões de anos, o que levanta a questão: porquê a demora? 

Para compreender melhor a dinâmica deste sistema e a sua fusão "interrompida", os astrônomos recorreram a dados de arquivo do instrumento GMOS (Gemini Multi-Object Spectrograph), que lhes permitiu determinar a velocidade das estrelas na vizinhança dos buracos negros e inferir a massa total dos buracos negros que lá residem.

A equipe estima que a massa do binário seja 28 bilhões de vezes superior à do Sol, o que faz do par o buraco negro binário mais massivo alguma vez medido. Esta medição não só fornece um contexto valioso para a formação do sistema binário e para a história da sua galáxia hospedeira, como também apoia a teoria de longa data de que a massa de um buraco negro binário supermassivo desempenha um papel fundamental no bloqueio de uma potencial fusão (esta teoria foi apresentada pela primeira vez em 1980 por Begelman et al. e há muito que se defende a sua ocorrência com base em décadas de observações dos centros das galáxias). 

Compreender como é que este binário se formou pode ajudar a prever se e quando se irá fundir; e algumas pistas apontam para que o par se tenha formado através de múltiplas fusões de galáxias. A primeira é que B2 0402+379 é um "aglomerado fóssil", o que significa que é o resultado da fusão de estrelas e gás de todo um aglomerado de galáxias numa única galáxia massiva. Além disso, a presença de dois buracos negros supermassivos, juntamente com a sua grande massa combinada, sugere que resultaram da fusão de vários buracos negros mmenores de várias galáxias. 

Após uma fusão de galáxias, os buracos negros supermassivos não colidem de frente. Em vez disso, começam a passar uns pelos outros à medida que se estabelecem numa órbita. Com cada passagem que fazem, a energia é transferida dos buracos negros para as estrelas que os rodeiam. À medida que perdem energia, o par é arrastado para cada vez mais perto, até ficarem a apenas alguns anos-luz de distância, momento em que a radiação gravitacional assume o controle e se fundem.

Este processo foi observado diretamente em pares de buracos negros de massa estelar, o primeiro caso registado foi em 2015, através da detecção de ondas gravitacionais, mas nunca num binário da variedade supermassiva. 

Com o novo conhecimento da massa extremamente elevada do sistema, a equipe concluiu que teria sido necessário um número excepcionalmente grande de estrelas para abrandar a órbita do binário o suficiente para os aproximar tanto. No processo, os buracos negros parecem ter expelido quase toda a matéria na sua vizinhança, deixando o núcleo da galáxia sem estrelas e sem gás. Sem mais matéria disponível para abrandar ainda mais a órbita do par, a fusão estagnou na sua fase final.

Normalmente, parece que as galáxias com pares de buracos negros mais leves têm estrelas e massa suficientes para os juntar rapidamente. Uma vez que este par é tão pesado, eram necessárias muitas estrelas e gás para o fazer. Mas o binário retirou essa matéria da galáxia central, deixando-a estagnada.

Ainda não se sabe se o par vai ultrapassar a sua estagnação e acabar por se fundir em escalas de tempo de milhões de anos, ou se vai continuar no limbo orbital para sempre. Se se fundirem, as ondas gravitacionais resultantes serão cem milhões de vezes mais poderosas do que as produzidas pela fusão de buracos negros de massa estelar. É possível que o par conquiste a distância final através de outra fusão de galáxias, que injetaria no sistema material adicional, ou potencialmente um terceiro buraco negro, para abrandar a órbita do par o suficiente para se fundir. 

No entanto, dado o estatuto de B2 0402+379 como aglomerado fóssil, outra fusão de galáxias é improvável. O acompanhamento do núcleo de B2 0402+379 e análise da quantidade de gás presente fornecerá mais informações sobre se os buracos negros supermassivos podem eventualmente fundir-se ou se ficarão presos como binários.

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal.

Fonte: Gemini Observatory

domingo, 3 de março de 2024

Descoberta nova ligação entre água e formação planetária

Os pesquisadores descobriram vapor de água no disco que rodeia uma estrela jovem, exatamente numa região onde podem estar se formando planetas.

© ALMA (vapor de água ao redor de estrela)

Esta imagem, de novas observações do Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA) mostra o vapor de água em tons azulados. Perto do centro do disco, onde reside a estrela jovem, o meio é mais quente e o gás mais brilhante. Os anéis em tons avermelhados são de observações ALMA anteriores e mostram a distribuição da poeira em torno da estrela.

Para além de ser um ingrediente chave para a vida na Terra, pensa-se que a água desempenha também um papel importante na formação planetária. No entanto, até agora, nunca tínhamos conseguido mapear a forma como a água se distribui num disco frio e estável; o tipo de disco que oferece as condições mais favoráveis para a formação de planetas em torno de estrelas.

As observações revelam, pelo menos, três vezes mais água do que em todos os oceanos da Terra, no disco interior de HL Tauri, uma estrela jovem semelhante ao Sol, situada a 450 anos-luz de distância da Terra, na constelação do Touro. As observações do ALMA espacialmente resolvidas permitem aos astrônomos determinar a distribuição da água em diferentes regiões do disco. 

Foi encontrada uma quantidade significativa de água na região onde existe uma lacuna conhecida no disco de HL Tauri. Estas lacunas em forma de anel são “esculpidas” em discos ricos em gás e poeira por corpos jovens semelhantes a planetas, em órbita da estrela progenitora, à medida que estes vão acumulando material e crescendo. As imagens recentes revelam uma quantidade substancial de vapor de água a uma série de distâncias da estrela que incluem um espaço onde um planeta pode estar se formando atualmente.

Observar água com um telescópio colocado no solo não é uma tarefa fácil, uma vez que o vapor de água que existe em abundância na atmosfera terrestre degrada os sinais astronômicos. O ALMA, operado pelo ESO em conjunto com os seus parceiros internacionais, é uma rede de telescópios instalada no deserto chileno do Atacama, a cerca de 5.000 metros de altitude, e que foi construída num ambiente alto e seco especificamente para minimizar esta degradação, proporcionando condições de observação excepcionais. Até agora, o ALMA é a única infraestrutura capaz de resolver espacialmente a água num disco frio de formação planetária.

Os grãos de poeira que compõem um disco são as sementes da formação planetária, colidindo e aglomerando-se em corpos cada vez maiores que orbitam a estrela. Acredita-se que em locais suficientemente frios, onde a água congela nos grãos de poeira, as partículas aderem mais eficientemente, um local ideal para a formação de planetas.

Os resultados mostram como a presença da água pode influenciar o desenvolvimento de um sistema planetário, tal como aconteceu há cerca de 4,5 bilhões de anos no nosso próprio Sistema Solar. 

Com as atualizações que estão decorrendo no ALMA e com o Extremely Large Telescope (ELT) do ESO que entrará em funcionamento antes do final desta década, a formação planetária e a função que a água desempenha nessa formação se tornarão mais evidentes. Em particular, o instrumento METIS (Mid-infrared ELT Imager and Spectrograph), fornecerá uma visão sem igual das regiões internas dos discos de formação planetária, os locais onde se formam planetas como a Terra.

Um artigo foi publicado na revista Nature Astronomy.

Fonte: ESO